ESPELHO DE CLAR ROMANCE
Biografia de factos reais e imaginados
VALE das ROSAS novela
Sonho real
GLORIA ou MOVIMENTO DE ALMA conto
APOLO romance
Editora Academia do pensamento, 2012 - (esgotado)
DIÁLOGO COM LLUL Maria Gabriela Llansol
de onde surge o «Diálogo com Llansol» (grafite sobre papel)
PORTUGUÊS / ENGLISH
A PERMANÊNCIA NO MISTÉRIO
Reconhecer o mistério, identificar as manifestações do mistério, é também uma forma daquilo que se chama cair-em-si (a nossa origem é o mistério primeiro). MF Molder refere como possibilidades de alguém cair-em-si três exemplos:
Experiência amorosa (ex:confronto com a rejeição)
Relação com a morte (ex:morte de alguém próximo)
Arte (ex:estranhamento em relação a uma obra)
Algo que nos questiona existencialmente é sempre uma forma de cair-em-si (verdadeiro rosto do mundo, lugares onde se foi, lugares de onde se vem, a alma de cada ser). Uma das sensações mais fortes no cair-em-si é o estranhamento e a sensação de que está tudo por fazer, sempre esteve tudo por fazer (em relação a nós próprios e em relação ao mundo), um enorme sentimento de incompreensão:
«Chuva... tenho tristeza! Mas porquê?!
Vento... tenho saudades! Mas de quê?!»
(Florbela Espanca)
Nesses instantes há a passagem de um estado de inocência para a necessidade de um estado de experiência. Há um depois e um:
e agora?
Ignorar, esquecer, não dar importância é sempre uma possibilidade (a mais confortável, não é preciso fazer nada), há o pressentimento de que se entra num caminho sem fim e isso assusta... mas desconfio que a dúvida do que aquilo é, do que se é, permanecerá sempre na vida (estaremos sempre na busca de entender aquilo que não queremos conhecer).
ou
«Deixar-se cair» e aceitar o Mistério, pressupor (como diz João Barrento) "a possibilidade de intuir a luz nas trevas, na superfície aparentemente impenetrável do mundo. No momento em que essa intuição acontece dá-se também a entrada num segundo nível: a elevação da realidade apercebida a uma potência superior, a descoberta do mistério que há nas coisas. O mistério // está nas próprias coisas, no mundo que se oferece à decifração intuitiva."
O que mais me fascina em MG Llansol é essa elevação da realidade apercebida e a revelação na escrita da sua permanência no Mistério...
«Estou na parte do templo destinada aos que vivem envoltos em mistério»
Sintra, maio de 2017
adua guerra santos
STAY IN THE MYSTERY
Recognizing the mystery, identifying the manifestations of the mystery, is also a form of what is called self-falling (our origin is the mystery first). Maria Filomena Molder mentions three examples as possibilities for someone to come to their senses:
Love experience (ex: confrontation with rejection)
Relationship with death (ex: death of someone close)
Art (ex: strangeness in relation to a work)
Something that questions us existentially is always a way to come to our senses (true face of the world, places where one has gone, places where one comes from, the soul of each being).
One of the strongest feelings in the fall-into-self is the strangeness and the feeling that everything is still to be done, has always been everything to do (in relation to ourselves and in relation to the world), a huge feeling of incomprehension:
«Rain ... I'm sad! But why?!
Wind ... I miss (saudade)! But what ?! »
(Florbela Espanca)
In these moments there is a transition from a state of innocence to the need for a state of experience.
There is an after: and now?
Ignoring, forgetting, not giving importance is always a possibility (the most comfortable, there is no need to do anything), there is a feeling that one goes on an endless path and it scares ... but I suspect that the doubt of what it is, it will always remain in life (we will always be in search of understanding what we don't want to know).
or:
«Letting oneself fall» and accepting the Mystery, presupposing (as João Barrento says) "the possibility of intuiting light in darkness, on the seemingly impenetrable surface of the world. The moment this intuition happens, it also takes place in a second level: the elevation of perceived reality to a higher power, the discovery of the mystery that exists in things.
The mystery is in the things themselves, in the world that offers itself to intuitive deciphering. "
What fascinates me most about Maria Gabriela Llansol is this elevation of perceived reality and the revelation in writing of his permanence in the Mystery ...
«I am in the part of the temple for those who live in mystery»
Sintra, May 2017
MISTÉRIO e ARTE
« A Arte apresenta-se-me como o empenho de um individuo que, superando a estreiteza e a obscuridade, procura encontrar um entendimento com todas as coisas, das mais ínfimas às maiores e, nesses diálogos, procura aproximar-se mais do suave sussurro da fonte última de tudo o que vive. Os segredos das coisas fundem-se no seu íntimo com as suas próprias sensações mais profundas e falam alto dentro de si como se fossem os seus desejos mais profundos. A linguagem enriquecida destas confissões intimas é a Beleza.
Portanto o artista não só é uma pessoa desligada da vida, como também a Arte se apresenta como uma forma de vida mais movimentada – quase diria menos modesta – na medida em que aquele que cria também se dirige às coisas mais silenciosas com as suas perguntas suplicantes e, insatisfeito com todas as resposta, continua incessantemente o seu caminho.» (R.M.Rilke)
. Arte e Conhecimento
Dilema
Comparemos a nossa natureza em relação à ignorância ou falta de conhecimento [paideia], de acordo com a seguinte experiência: Imagine-se um conjunto seres humanos numa espécie de morada subterrânea em forma de caverna, cuja entrada aberta para a luz se encontra elevada e de difícil acesso. Eles encontram-se aí desde a infância. Imagine-se também que no exterior da caverna se passariam as coisas próprias da natureza; animais que passavam, aves a voar, folhas ao ventos, o dia e a noite, (os sons desses elementos que soariam com eco ampliado no interior da caverna). O movimento das coisas projetavam-se a determinadas horas, a determinada posição do sol, em sombras numa das paredes do interior, não julgariam os habitantes da caverna, não conhecendo outra coisa, que essas sombras (e o seu eco) eram a realidade exterior?. (coro: claro que sim!)
Consideremos agora que algum desses humanos, por uma necessidade inexplicável, decide, contra todas as regras da tradição, conhecer esse mundo exterior. Confrontado com a realidade não chegaria à conclusão que tudo o que tinha visto projetado nada era mais do que engano e ilusão? (...) E que estando agora no exterior o que ele via é que era a verdade? (…). Quando olhasse para o sol compreenderia que era ele era a causa de tudo o que ele e os seus companheiros tinham visto na caverna. A seguir contemplaria o céu e o que há nele, durante a noite contemplaria as estrelas e a Lua, ficaria completamente maravilhado com a beleza das coisas, regozijaria com a mudança e lamentaria os outros. Não sentiria ele que era impossível voltar para a vida anterior? (...) Mas não se sentiria também tentado a descer à caverna e anunciar a revelação aos outros? (...).
Primeiro pensou nas honrarias que receberia por tal descoberta, mas depois refletindo melhor e conhecendo o quanto os outros acreditavam naquilo que sempre tinham visto, no facto de ter desobedecido ao que estava instituído em relação aos perigos do exterior, e à grandeza da revelação, não achariam que estava louco? (...) O mais provável era que o castigassem e o prendessem para sempre nas trevas daquele mundo.
Se por um lado tinha vontade de voltar e anunciar: Eu vi a Luz (*), por outro seria mais fácil ignorar os outros e não arriscar represálias ou até ser morto.
Que fazer? Passou a ser o dilema que lhe ocuparia para sempre o pensamento e a vida solitária...
A reflexão sobre este irresolúvel dilema da Alegoria da Caverna (Platão, Republica, livro VII) é uma questão primordial no percurso do artista, da pessoa consciente; a relação entre conhecimento e ignorância. Se por um lado a melhor coisa do mundo é conhecer e entender, por outro é também um caminho sem regresso ao estado de inocência, à comodidade aparente da ignorância, à indiferença do não saber.
O Artista não lhe dá resposta, mas vive nesse dilema. Procura abrir brechas e dispara pequenos raios de Luz sobre as trevas da ignorância.(imagem: atira desenhos para o interior da caverna).
« Rasgou-se o véu do quotidiano, e surgiu uma realidade profunda, onde podes transportar-te aos alvores da humanidade e ombrear com os antepassados que davam os primeiros passos na história, num mundo ainda mágico, de deuses e demónios misturados com pessoas. Podem fabricar-se artificialmente essas circunstâncias nas quais se quebram as barreiras do tempo?.»
(Gaugin a partir de M.V.Llosa)
MYSTERY and ART
«Art presents itself to me as the commitment of an individual who, overcoming narrowness and obscurity, seeks to find an understanding with all things, from the smallest to the greatest and, in these dialogues, tries to get closer to the soft whisper the ultimate source of everything that lives. The secrets of things fuse with your own deepest feelings and speak loudly within you as if they were your deepest desires. The enriched language of these intimate confessions is Beauty.
Therefore, the artist is not only a person disconnected from life, but Art also presents itself as a more lively form of life - I would say, less modest - insofar as the creator also addresses the quieter things with his pleading questions. and, dissatisfied with all the answers, he continues on his way. » (R.M.Rilke)
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Art and Knowledge Dilemma
Let us compare our nature in relation to ignorance or lack of knowledge [paideia], according to the following experience:
Imagine a group of human in a kind of underground dwelling in the form of a cave, whose open entrance to the light is elevated and difficult to access. They have been there since childhood.
Imagine also that outside the cave, things inherent to nature would happen; animals passing by, birds flying, leaves blowing in the wind, day and night, (the sounds of these elements that would sound with amplified echo inside the cave).
The movement of things projected at certain times, at a certain position of the sun, in shadows on one of the interior walls, the inhabitants of the cave would not judge, knowing nothing else, that these shadows (and their echo) were the outer reality ? (chorus: of course!)
Let us now consider that some of these humans, for an inexplicable need, decide, against all the rules of tradition, to know this outside world. Faced with reality, wouldn't come to the conclusion that everything had seen projected was nothing more than deception and illusion? (...)
And being abroad now, what he saw was the truth? (...).
When he looked at the sun he would understand that it was the cause of everything that his companions had seen in the cave. Then he would contemplate the sky and what is in it, during the night contemplate the stars and the Moon, he would be completely amazed by the beauty of things, rejoice in the change and lament others.
Wouldn't he feel that it was impossible to return to the previous life? (...)
But wouldn't he also be tempted to go down to the cave and announce the revelation to others? (...)
First he thought about the honors he would receive for such a discovery, but after reflecting better and knowing how much others believed in what they had always seen, in the fact that he disobeyed what was instituted in relation to the dangers of the outside, and the greatness of the revelation, no would they think he were crazy? (...) Most likely, they would punish him and imprison him forever in the darkness of that world.
If, on the one hand, he wanted to come back and announce: I saw the Light (*), on the other hand it would be easier to ignore others and not risk reprisals or even be killed.
What to do? It became the dilemma that would occupy him forever thought and lonely life ...
Reflection on this irresolvable dilemma of the Allegory of the Cave (Platão, Republica, book VII) is a fundamental issue in the path of the artist, of the conscious person; the relationship between knowledge and ignorance. If on the one hand the best thing in the world is to know and understand, on the other hand it is also a path with no return to the state of innocence, to the apparent comfort of ignorance, to the indifference of not knowing.
The artist does not answer, but he lives in this dilemma. He tries to open breaches and fires small rays of Light into the darkness of ignorance (Image: throws drawings into the cave).
«The veil of everyday life was torn, and a profound reality emerged, where you can transport yourself to the dawns of humanity and meet with the ancestors who took the first steps in history, in a still magical world, of gods and demons mixed with people. Can those circumstances in which time's barriers are broken be artificially fabricated? » (Gaugin from Mario Vargas Llosa)
« tendo Deus dado a cada um de nós uma luz para discernir o verdadeiro do falso, não permitiria a mim mesmo dar-me satisfeito com as opiniões alheias » (Descartes, o discurso do método)
Voltemos ao nosso humano enquanto exemplo: não chegaria ele à conclusão que tudo o que sabia estava errado? (coro: claro que sim!) Que tudo o que tinha vivido até ali era fruto de uma ilusão, não estariam mesmo as coisas mais simples (as práticas da vida, como as relações humanas por exemplo) contaminadas por uma visão geral falsa? (...). Não precisaria ele de reorganizar o pensamento de forma a estar isento desses defeitos? (...).
A primeira conclusão a que chegou foi: tudo o que sabia estava errado.
Passaria então a observar tudo a partir dos seguintes princípios:
O primeiro consiste em não tomar nenhuma coisa por verdadeira sem que a reconheça interiormente como tal, quer dizer: em evitar cuidadosamente a precipitação e a facilidade no juízo.
O segundo consiste em dividir cada uma das dificuldades / questões no maior número de possibilidades que conseguir, procurando pesquisar o mais possível quem além dele pensou nisso...
O terceiro consiste em conduzir os pensamentos por ordem, começando pelos mais simples, pelo principio, para se elevar pouco a pouco, como degraus, até ao conhecimento mais complexo, supondo mesmo uma ordem entre aqueles que não se precedem, naturalmente, uns aos outros ( nas manifestações artísticas por exemplo).
O quarto em proceder a enumerações tão completas e a revisões tão gerais que possa estar certo de nada ter omitido dentro das suas capacidades, mas tendo presente que muito mais haverá concerteza que até ali não consegue enxergar. «Que sei eu?» (Montaigne)
Neste cair-em-si (na perspetiva da importância do conhecimento, e há outras formas referidas no tema do Mistério) surge a questão essencial (não só para o humano de hoje mas para o humano de sempre) :
Quem sou eu?
O que faço aqui?
A questão implica a passagem do estado de inocência para o estado da experiência - a procura do entendimento tomando consciência da coisa (das coisas).
E a determinada altura não pensará ele que essa tomada de consciência em si próprio é uma nova consciência? (…)
Na descoberta do Eu-consciente, que procura entender, essa descoberta há-de tornar-se cada vez mais viva, mais verdadeira, mais plena, e finalmente poderá tornar-se em si-próprio.
(Não esquecer que a todos correspondem certos limites, quanto é que se é capaz de apreender de modo a que se possa entender?)(Goethe)
(*) Fazendo a analogia interessante entre as intenções de Jesus e a Alegoria da Caverna (e é possível que Jesus tivesse conhecimento dela). Poderemos encontrar nessa intenção de salvar o mundo a procura de uma resposta através da ideia de um Messias (“não era a Luz, mas veio para testemunhar acerca da Luz” Jo 1:07, “a luz veio ao mundo; e os homens amaram mais as trevas que a luz” Jo 3:19, “Aquele que vem do alto está acima de tudo” Jo 3:31). O resultado é a confirmação do temor do humano que viu a realidade das coisas, a verdade – foi crucificado... Mas a intenção de Jesus transcende esse facto que já era conhecido antes dele, através das sagradas escrituras. A grandeza da sua verdadeira intenção é : não há Salvadores. A salvação está em cada um de nós.
"God given to each of us a light to discern the true from the false, I would not allow myself to be satisfied with the opinions of others" (Descartes)
Let's go back to our human as an example:
wouldn't he come to the conclusion that everything he knew was wrong? (chorus: of course!)
That everything that had lived there was the result of an illusion, wouldn't the simplest things (the practices of life, such as human relationships for example) be contaminated by a false overview? (...)
Wouldn't he need to reorganize his thinking in order to be free from these defects? (...)
The first conclusion he reached was: everything he knew was wrong.
He would then begin to observe everything from the following principles:
The first consists in not taking anything for granted without recognizing it internally as such, that is: in carefully avoiding haste and ease in judgment.
The second consists of dividing each of the difficulties / issues in the greatest number of possibilities that he can, trying to research as much as possible who besides him thought about it ...
The third is to conduct thoughts in order, starting with the simplest ones, starting with the principle, to rise gradually, like steps, to the most complex knowledge, even assuming an order among those who do not naturally precede each other. (in artistic manifestations for example).
The fourth is to carry out lists so complete and revisions so general that you can be sure that you have omitted nothing within your capabilities, but bearing in mind that there is much more that you cannot see until then.
«What do I know?» (Montaigne)
In this fall-in-itself (from the perspective of the importance of knowledge, and there are other ways referred to in the theme of the Mystery) the essential question arises (not only for the human today but for the human ever):
Who am I?
What do I do here?
The question implies the transition from the state of innocence to the state of experience - the search for understanding by becoming aware of the thing (of things).
And at some point, won't he think that this awareness itself is a new awareness? (...)
In the discovery of the Self-conscious, which seeks to understand, this discovery will become more and more alive, more true, more complete, and finally it can become itself.
«Do not forget that certain limits correspond to all, how much is one able to learn so that one can understand?» (Goethe)
(*) Making an interesting analogy between Jesus' intentions and the Allegory of the Cave (and it is possible that Jesus was aware of it). We can find in this intention to save the world the search for an answer through the idea of a Messiah ("it was not the Light, but it came to testify about the Light" John 1:07, "the light came to the world; and men loved more darkness than light "(John 3:19," He who comes from above is above all "(John 3:31). The result is the confirmation of the fear of the human who saw the reality of things, the truth - he was crucified ... But Jesus' intention transcends that fact that was already known before him, through the sacred scriptures. The greatness of his true intention is: there are no saviors. Salvation is in each one of us.
Herança e Dívida
Desenhar e escrever não para ensinar mas para contar, o que se herda daqueles que nos precederam, e nesse contar está também a intenção de pagar essa dívida, que ficará para sempre por saldar - “a não ser naquela sua parte em que um coração se obriga a revelar-se figurando, contando, pintando, resolução literária que não anestesia o escândalo da morte alheia e o terror da própria morte, mas dá forma comunicativa àquilo que só se conhece por iniciação, o confronto com a nossa própria vida.”(M.F.Molder)
se um artista desconhece a Arte que existiu antes da sua como poderá saber que aquilo que faz não foi já feito? Como poderá criar algo novo desconhecendo o que já existe?
Arte requer o humano na sua totalidade, quanto mais souber mais exige de si próprio, mais difícil é encontrar a originalidade, a criação pura - “ars totum requirit hominem”(C.G.Jung).
Inteligência e Consciência
« Se me disserem que é nulo o prazer de durar depois de não existir,
responderei, primeiro, que não sei se o é ou não,
pois não sei a verdade sobre a sobrevivência humana;
responderei depois,
que o prazer da fama futura é um prazer presente
- a fama é que é futura.
E é um prazer de orgulho igual a nenhum
que qualquer posse material possa dar.
Pode ser, de facto, ilusório,
mas seja o que for,
é mais largo do que o prazer de gozar só o que está aqui. »
(Livro do desassossego)
Segundo Fernando Pessoa (Herostrato e a busca da imortalidade) os humanos podem ser divididos em três tipos /grupos: Intelecto – Sentimento (emoção) – Vontade.
Há pessoas que são puro intelecto : os filósofos e cientistas. Outros puro sentimento: os místicos e profetas. Há os de pura vontade: Estadistas, guerreiros.
Há três tipos mistos:
Os de intelecto e sentimento são os artistas (de todos os géneros)
Os de intelecto e vontade são políticos e homens-de-negócios
Os de sentimento e vontade são religiosos e crentes na democracia.
A inteligência manifesta-se das seguintes formas: o génio, talento e argúcia (enquanto inteligência brilhante e activa, não do grau da inteligência comum). Estes três tipos não são contínuos relativamente uns aos outros, não são graus ou categorias de uma única faculdade ou função:
O génio é a inteligência abstrata individualizada (materialização concreta de uma faculdade abstrata)
O talento é a inteligência concreta tornada abstrata
A argúcia é a inteligência concreta individualizada (por vezes uma grande argúcia é confundida com o verdadeiro génio)
Poder-se-á supor que estas reflexões, estes pensamentos, não serão propriamente território de Artista (no caso da literatura por exemplo talvez não seja bem assim). E não servem de análise a um si próprio, porque como é do conhecimento mais ou menos geral quando alguém fala ou pensa sobre si - «eu sou uma pessoa...», o resultado é sempre uma história inventada, que pressupõe mais aquilo que se gostava de ser do que aquilo que se é, e até é frequente que reflita o oposto daquilo que realmente se é. Mas na tal perspectiva do(a) artista enquanto herdeiro pode ser útil; é frequente usarem-se termos como: génio / genial, de um grande talento / talentoso, muito esperto / de uma grande esperteza, quando se observa e analisam obras de Arte e se opina sobre artistas. Mas o mais importante sempre é que ter este tipo de pensamentos significa estar a “defender o pensamento” fazendo-o sentir-se a si próprio, respondendo a si mesmo, reconhecendo a importância da inteligência. (A.Artaud)
Regressando à consciência, pergunta-se agora: que tipo de consciência se tem? Sobre as coisas, sobre si, sobre o que está para além de si e das coisas?
Nestas questões encontram-se territórios, aparentemente, distintos da consciência:
Sobre o que o rodeia, a sua vida, o que se passa à sua volta, sobre o mundo
Sobre o seu eu, a sua mente, sobre o que se é e o que se gostaria de ser
Sobre algo que nos vê e não vemos, que transcende a realidade e estremece na memória, o reconhecimento da Alma, um tu sem o qual o eu não existe (Santo Agostinho)
Estes níveis de desenvolvimento da consciência também não são contínuos na relação uns com os outros, há quem tenha consciência exclusivamente sobre a vida prática, a relação com a sociedade, a sobrevivência. Ou alguém que pensa somente em si, nos seus problemas, nas suas necessidades ignorando os outros. Pode também ser unicamente espiritual, não fazendo ideia do que se passa consigo e à sua volta. Outras possibilidades mistas são possíveis. O que acontece geralmente é que quem se fixa num determinado nível tem tendência a subestimar os outros níveis.
Podemos também supor que estes graus de desenvolvimento são um caminho que conduz à inevitabilidade do confronto com o infinito, com o espírito, são de certa forma a preparação para a morte.
.Realidade e imaginação (metafisica ingénua)
« O que há de mais estranho na nossa realidade
é a beleza.
Isto é a maior das provocações. »
(Heiner Muller)
Heritage and Debt
Drawing and writing not to teach but to tell, what is inherited from those who preceded us, and in that telling is also the intention to pay this debt, which will remain unpaid forever:
"except in that part of you where a heart it forces us to reveal ourselves by figuring, telling, painting, a literary resolution that does not anesthetize the scandal of the death of others and the terror of death itself, but gives a communicative form to what is only known by initiation, the confrontation with our own life. "( MFMolder)
if an artist does not know the art that existed before him, how can he know that what he does has not already been done? How can you create something new without knowing what already exists?
Art requires the human as a whole, more you know, more you demand from yourself, more difficult it is to find originality, pure creation - "ars totum requirit hominem" (C.G.Jung).
Intelligence and Consciousness
« If told me that the pleasure of lasting after (dead) is zero, does not exist.
I will answer: first, I don't know if it is or not, because I don't know the truth about human survival.
I will answer later,
that the pleasure of future fame is a present pleasure.
And it's a pleasure of pride like none
that any material possession can give.
It can be, in fact, illusory,
but whatever it is
wider than the pleasure of enjoying only what is here. »
(Book of disquiet, Fernando Pessoa)
According to Fernando Pessoa (Herostrato and the search for immortality) humans can be divided into three types / groups:
Intellect - Feeling (emotion) - Will.
There are people who are pure intellect: philosophers and scientists.
Others pure feeling: mystics and prophets.
There are those of pure will: Statesmen, warriors.
There are three mixed types:
Those of intellect and feeling are the artists (of all genres)
Those of intellect and will are politicians and businessmen
Those of feeling and will are religious and believers in democracy
Intelligence manifests itself in the following ways:
genius - talent - shrewdness
(as brilliant and active intelligence, not of the degree of ordinary intelligence).
These three types are not continuous in relation to each other, they are not degrees or categories of a single faculty or function:
Genius is individualized abstract intelligence (concrete materialization of an abstract faculty)
Talent is concrete intelligence made abstract
Shrewdness is individualized concrete intelligence (sometimes great shrewdness is mistaken for true genius)
It may be assumed that these reflections, these thoughts, are not exactly artist territory (in the case of literature, for example, it may not be so). And they do not serve as an analysis of oneself, because as it is more or less general knowledge when someone talks or thinks about themselves - "I am a person ...", the result is always an invented story, which presupposes more than what if you would like to be than what you are, and often reflects the opposite of what really are...
But in such an artist's perspective as an heir it can be useful; it is common to use terms such as: genius, with a great talent / talented, very clever / with great cleverness, when observing and analyzing works of Art and opine on artists. But the most important thing is always that having these kinds of thoughts means being "defending the thought" by making feel itself, responding to itself, recognizing the importance of intelligence. (A.Artaud)
Returning to consciousness, we now ask: what kind of consciousness do you have? About things, about yourself, about what is beyond you and things?
These issues are territories, apparently, distinct from consciousness:
About what surrounds you, your life, what's going on around you, about the world
About your self, your mind, what you are and what you would like to be
About something that sees us and does not see,
That transcends reality and trembles in memory, the recognition of the Soul, a you without which the self does not exist (Saint Augustine)
These levels of development of consciousness are also not continuous in their relationship with each other, there are those who are aware exclusively of practical life, the relationship with society, survival. Or someone who thinks only on him, is problems, needs, while ignoring others. It can also be uniquely spiritual, having no idea what is going on with you and around you. Other mixed possibilities are possible. What usually happens is that people who stick to one level tend to underestimate the other levels. We can also assume that these degrees of development are a path that leads to the inevitability confrontation with the infinite, with the spirit, they are in a way the preparation for death...
«What is strangest in our reality it's beauty. This is the biggest provocation. » (Heiner Muller)
Olho para esta folha branca colocada sobre a mesa; apercebo-me da sua forma, da sua cor, da sua posição. Estas diferentes qualidades têm características comuns, entregam-se ao meu olhar como existências que posso somente constatar, e cujo ser em nada depende de mim. Estão presentes e são ao mesmo tempo inertes. Não dependem de qualquer espontaneidade ou consciência. Esta inércia do conteúdo sensível é a existência em si. É o que se chama a coisa. Em caso algum a consciência pode ser uma coisa, pois o seu modo de ser é um ser para si. Ter consciência da sua existência é espontaneidade pura face à realidade, ao mundo das coisas que é pura inércia. (J.P.Sartre)
Entregar o que se vê e o que se diz em favor do que se imagina, abandonar o curso ordinário das coisas e fazer um “convite à viagem”(G.Bachelard). Devolver à imaginação o seu papel de sedução, pela imaginação abandonamos o curso vulgar da vida, imaginar é ausentar-se, é lançar-se a uma vida nova – a imaginação enquanto criadora de possibilidades...
É bastante sedutor para o artista o vislumbre da possibilidade de uma - constituição imaginal do mundo – a criação, de uma mística visionária, da imaginação absoluta, da realidade da imaginação. A imaginação deixa de ser um estado, é a própria existência do artista.(W.Blake)
(A imaginação vem do entendimento aplicado à impressão material produzida no cérebro, a folha branca convida à criação, à presença de uma ilusão, ou até ante-visão do que [ainda] não existe...)
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“O grande mistério da concentração absoluta, que faz tanto um artista como um erudito, um verdadeiro sábio como um louco, esta felicidade e infelicidade trágica da absoluta obsessão.” (stefan Zweig)
O mistério do index Secreto que o passado transporta consigo e que predestina à “salvação” para um presente certos momentos desse passado.(W.Benjamin)
O mistério da “verdade silenciosa e insuportável”(Inge Muller)
O Mistério de Deus...
I look at this white sheet placed on the table; I notice it shape, color, position. These different qualities have common characteristics, they give themselves to my gaze as existences that I can only verify, and whose being in no way depends on me. They are present and at the same time inert. They do not depend on any spontaneity or conscience. This inertia of the sensitive content is the existence itself. That's what's called the thing. In no case can conscience be a thing, because your way of being is a being for you. Being aware of its existence is pure spontaneity in the face of reality, the world of things that is pure inertia.
(Jean Paul Sartre)
Deliver what is seen and what is said in favor of what is imagined, abandon the ordinary course of things and make an "invitation to travel" (G.Bachelard). Returning the role of seduction to imagination, through imagination we abandon the ordinary course of life, to imagine is to be absent, to launch ourselves into a new life - imagination as a creator of possibilities ...
It is quite seductive for the artist to catch a glimpse of the possibility of an - imaginal constitution of the world - the creation, of a visionary mystique, of the absolute imagination, of the reality of imagination. Imagination is no longer a state, it is the artist's very existence. (W. Blake)
(Imagination comes from understanding applied to the material impression produced in the brain, the white sheet invites creation, the presence of an illusion, or even a preview of what [does not] exist yet ...)
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"The great mystery of absolute concentration, which makes both an artist and a scholar, a true sage as well as a madman, this tragic happiness and unhappiness of absolute obsession." (Stefan Zweig)
The mystery of the Secret index that the past carries with it and that predestines to "salvation" for a present certain moments of that past. (W.Benjamin)
The mystery of the "silent and unbearable truth" (Inge Muller)
The Mystery of God ...
« CONVERSA »
sobre
desenho, escrita e Grafite
« O mundo visível.
Construí-lo a partir
da luz e das trevas.
Ou destruí-lo na luz e
nas trevas.
É essa a tarefa, pois
o mundo visível,
que consideramos uma unidade, é
construído na sua
forma mais agradável
a partir desses dois
princípios.»
(Goethe, PhysikalischeVortrage, 1806)
Esta frase acompanha-me desde que comecei a trabalhar a grafite. E isso aconteceu, ainda trabalhava na Avenida 211, quando comecei a manifestar em desenho a minha experiência na leitura das «Confissões de Santo Agostinho» (edição Livraria A.I.-Braga, 2008, apresentação por Eduardo Lourenço).Exposição que apresentei em Maio de 2015na Capela da N.Senhora do Monte, na Graça, a que dei o título «Se não perguntarem eu sei».Achava que esta frase pertencia ao «Pensamento Morfológico de Goethe» traduzido pela prof. Maria Filomena Molder, texto que me acompanha sempre... quando tive de localizar a origem descobri que faz parte de um capítulo intitulado «Luz e Trevas» do livro «Alquimia & Misticismo» (Alexander Roob, Taschen,2001), esquecido, como sempre, tinha sido tocado pela "óptica visionária" (que distingue três níveis ascendentes de visão: o olho da carne, da razão e da contemplação mística...) de J.Böhme e Agostinho:
"com os olhos nos quais a vida se gera a si mesma dentro de mim"
...
Somnia
a Deo missa
Este desenho surge durante a demanda/pesquisa da Luz e das trevas, inspira-se muito nas gravuras da obra-primeira de Robert Fludd, «utriusque cosmi», mas o que me impressionou nos desenhos foi aquilo a que designei como uma patine mística... assente no conhecimento, relacionadas com um determinado conhecimento.(...a matéria é luz condensada)
E não me lembro porquê relacionei essa impressão com a frase que li em «Psicologia e Alquimia» de C.J.Jung (Introdução à problemática da psicologia religiosa da alquimia - "O fiel não pode contestar o facto de que há «somnia a Deo missa» (sonhos enviados por Deus) e iluminações da alma impossíveis de serem remetidas a causas externas. Seria uma blasfémia afirmar que Deus pode manifestar-se em toda a parte menos na alma humana.".O círculo de baixo é a blasfémia e o de cima o facto (incontestado)...
Robert Fludd was a respected English physician (of Welsh origins) employed at the court of King James I of England. He was a prolific writer of vast, multi-volume encyclopaedias in which he discussed a universal range of topics from magical practices such as alchemy, astrology, kabbalism and fortune-telling, to radical theological thinking concerning the inter-relation of God with the natural and human worlds.Between 1617 and 1621 the English physician and polymath Robert Fludd published his masterwork Utriusque Cosmi, a book split into two volumes and packed with over 60 intricate engravings.
Mas porque é que refiro estes exemplos? Porque a escrita faz sempre parte do meu trabalho enquanto artista, para mim são indissociáveis - desenho e escrita.
Quando desenho interajo com a escrita sobretudo através da leitura - não forçosamente relacionados através de um tema construido na imaginação - o que desenho pode não ter a ver diretamente com o que ando ou acabei de ler, pode ser uma influência discreta ou simplesmente uma distração da mente, ou, quando escrevo o desenho pode ser anotação...
No caso especifico e único do conjunto «Diálogo com Llansol» essa relação é intima - enquanto desenhava repetia muitas vezes, algumas em voz alta, a frase decorada e pensava nos seus sentidos. E explicita - porque se afirma como legenda e conduz a imaginação de quem olha para o desenho.
LUZ e TREVAS
Nos "Estudos para a criação" a luz nasce, irrompe das trevas, reafirma-se e adquire a forma de um casulo (fénix)... mas eu desenhei de forma inversa, não desenho a luz (a luz já lá está na folha do papel), o que desenho, e preencho, são as trevas, percebi então que estava a criar uma nova relação da qual nunca tinha dado conta. Ou melhor ainda, entrei numa relação sagrada através do desenho.
"quanto mais profundo, quer dizer, quanto mais existente e real é o espírito, tanto mais exprimível e exprimido" (o quimico e o alquimista, M.F.Molder)
«ARS TOTUM REQUIRIT HOMINEM» (arte requer o homem total)
TEM TUDO A VER COM IMAGINAÇÃO (como insiste Apolo no romance que escrevi e fiz uma restrita edição em 2012) e no meu caso com o desenho também, tudo o que refiro é em relação a isso - desenhar.
E se «a imaginação é a divindade no sujeito, que torna humano o humano» então torna-se para mim fundamental desenvolver a minha espiritualidade/imaginação e a minha relação com o divino, com Deus para ser mais preciso, tudo isso está sempre presente no meu trabalho claro, mas a relação existencial entre Luz e Trevas, vida e morte, é outra história, na verdade, outra questão...
«a alma possui a dignidade de um ser que tem o dom da relação consciente com a divindade»(c.j.jung-psicologia e alquimia).
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2017
a.guerra santos
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